quinta-feira, 5 de maio de 2011

PROCURA-SE

 
PROCURA-SE
 
Recompensa-se bem a quem achar
pelas estradas livres da esperança
uma mulher que partiu sem avisar
(disse eu mulher, mas é bem mais criança).
Responde pelo nome de Maria,
é bela e meiga - sem outra virtude
que ser mulher em plácida magia...
- um misto de coragem e mansietude.
  Tem ar de quem oculta algum desgosto,
um ricto de abandono antes de adeus,
tem tristeza e candura no seu rosto
e os olhos se parecem com os meus
As mãos são finas e disfarçam bem
(que esforço que fizeram!) seu vigor;
seus cabelos são pretos, mas raiados
com filigranas de ouro multicor.
 
Quem a encontrar, avise, por favor,
que seu menino está perdido e só
que o flagelo do mundo nele é enorme
e a desumanidade ainda é maior...
Digam que o filho seu - só - se desgarra
E grita e geme pela estrada afora...
...................................................
(Deve existir uma lei no céu, na terra,
que proíba uma mãe de ir embora...)
 
Será que ela morreu? -Mas mãe não morre!!!
Tem dom de eternidade, pois do filho
sem amor maternal a vida escorre
- por mais possante, o trem não vai sem trilho.
 
Avise sem delongas quem a achar...
Ela tem um sinal particular:
são três letras tatuadas em seu braço
e tem também contida na garganta
uma senha solfejada em seu cansaço
que é a minha cantiga de ninar...
 
Quero encontrá-la antes que a noite venha
nesse horizonte que o olhar espalma.
Toda mãe só é mãe se, como a minha,
tem um círio de fé aceso n'alma.
Digam-lhe logo, logo sem demora,
que este menino que ressende a lágrima,
este homem-feito que transpira a leite,
pode ficar na curva de uma estrada
de que mudaram o rumo de repente
porque trocou o regaço maternal
por outro mundo sem amor, sem brio,
quase esqueceu um vulto solitário
olhando um leito que ficou vazio...
 
Se você, minha mãe, ler este anúncio
que rascunho com lágrima em prenúncio
de esperança de paz e de união,
saiba que já sofri demais na vida,
que a minha dor dói mais que a dor doída
no paroxismo da inconsolação.
 
E volta, minha mãe! Vem por favor
escrever novamente em minha vida
todas as letras da palavra AMOR.
 
(Olavo Bahia Neves-julho/1970)

domingo, 27 de março de 2011

DESEJOS

   
   DESEJOS    
              (parafraseando Osvaldo Montenegro)
        
       Que esta força do tédio que me invade
      Liberdade se torne em minha vida
      - Porque metade de mim é saudade
       - Mas a outra metade é despedida.

            Que não tornem mensagem o resoluto
            E absoluto tema de que  falo
         - Porque metade de mim é o que escuto
         - Mas a outra metade é o que eu calo.

        Que essa minha vontade de ir embora
          Se torne agora a calma que mereço
         - Porque metade de mim é de outrora
          - Mas a outra metade eu nem conheço.

             Que esta tensão que me corrói por dentro

             Seja epicentro de sua própria lei
          - Porque metade de mim é alento
          - Mas a outra metade... já nem sei.

             Que esta minha loucura sem pendor
             Possa compor com a sina de outro alguém
          - Porque metade de mim é amor
            -Mas a outra metade... é também.

                Olavo Bahia Neves (21.12.99)

segunda-feira, 14 de março de 2011

PLUS DE LARMES


PLUS DE LARMES

Parei e renasci em novo apego.
O deserto aqui perto exilou-se em seu vazio

E eu vi – parece incrível ! – todo meu sossego

Ir pastando tranqüilo nas margens do rio.

Parei e renasci cheio de sonho...
Do outro lado da vida minha tenda armei
Onde o céu, onde o sol, onde o libar do outono
Encontro-os eu do jeito como os coloquei

E soltei o novelo-séquito das horas...

Sobraçando as angústias – pú-las de castigo
num canto,  e deitei meu apego à minha volta

E Deus, zeloso, veio conversar comigo!!!

Olavo Bahia Neves

terça-feira, 5 de outubro de 2010

POBREZA MILIONÁRIA


Disseram-lhe que ele não tinha nada
Que sua vida tristonha, abandonada
Era o horror da miséria, a ferida do mundo
Que era um pobre vivente a vagar pela rua
Que nasceu no descuido da noite sem lua
Que era um pobre somente – um pobre vagabundo.

Ele olhou para o alto e nem fez escarcéu
Lançou seus pensamentos a próximos infinitos
Com os olhos fitos no céu – e sorriu.
Ninguém sabe o que olhou, ninguém sabe o que viu...
Pensou talvez numa grande riqueza
Que nem todos os olhos podem divisar
Pela sua infinita grandeza:
Ele tinha um tesouro – da natureza!

Era seu aquele sol tão quente
Que todo dia trazia uma aurora e um poente,
Era sua aquela lua que do alto brilhava a iluminar caminhos,
Era seu o cantar dos passarinhos
As montanhas e os rios,
Os oceanos e os mares que abraçam todas as terras
Num amplexo de amor profundo;
Ele também podia sentir essas terras em seus braços,
Então era dono do mundo!

E chamaram-no pobre, somente:
Um pobre vagabundo?
- Que gente pobre, meu Deus, há neste mundo!!!

Olavo Bahia Neves


(Inspirado num mendigo que morava embaixo da ponte Buarque de Macedo, em Recife-PE, e dizia ser o dono do rio Capibaribe.)